terça-feira, 3 de maio de 2011

Always will.


 Tocavam-se as primeiras notas. Seus olhos perdiam o foco, as mãos quase que inteiramente trêmulas. Dentre tão poucos segundos, foram tantos momentos em que se viu naquele tão confuso conflito de emoções, permanecendo externamente imóvel, sem demonstrar qualquer tipo de reação. À cada nota era um instante à ser recordado, à cada acorde era o mesmo rosto à ser idealizado.
 A mente vazia, vazia de tão cansada como nunca antes pôde estar. Lutava para permanecer imóvel, para suportar a dor que o convinha, uma dor que crescia, junto à tão grande sensação de ânsia, de expectativa, ao naquele tão doloroso momento, restarem apenas alguns segundos para que tão gloriosa e familiar voz recitasse palavras tão ingenuamente bonitas, mas de significado importante e doloroso para tal, enquanto uma harmonia tão tranqüila e quase mais bonita, tornasse a voar graciosamente em seus ouvidos, ainda causando a mesma reação, a mesma que naquele momento ocorreu, a mesma que sempre ocorre quando encontra forças para tentar mais uma vez. Tentar ouvi-la até o final, controlar uma dor indescritível. Achava que só assim poderia enfim esquecer; esquecê-la.
 Sentiu um aperto, pronunciando a primeira palavra mentalmente, enquanto o disco empoeirado permanecia a girar, junto à uma voz de tom grave e bonito, que cantava tranqüilamente, à cada palavra equivalendo uma facada em seu peito, mesmo ainda conseguindo manter a expressão sem-expressão em seu rosto, o olhar vago, o mesmo filme à ser reproduzido em sua mente.
 "Love me tender, love me sweet...", cantava a voz lentamente, retardando a velocidade da pronuncia mentalmente, agora em transe. Com cada letra, cada palavra de tal frase, flutuando em sua mente, invadindo de forma inexplicável o seu campo de visão, ainda com cada uma representando uma parcela de dor à ser somada. Mas estava disposto à ir até o fim.
 Sabia do que a próxima frase era composta, e o que ela então representava entre as outras. Ao mesmo tempo buscava uma maneira de conseguir não escutá-la, e de alguma forma ignorá-la. "...Never let me go", continuou a cantar a voz. A expressão vazia então alterou-se. Fechou os seus olhos, a mente travada na primeira palavra após inteiramente ser pronunciada. Era como se o tempo, em algum lugar de sua mente, houvesse parado, como se a frase possuísse apenas tal palavra, que quando enfim deixou seu consciente, trouxe junto para fora uma lágrima, como se viesse em forma de tal, deslizando de seu rosto, secando antes de tocar o chão. Ao final da frase, aquele adeus foi de forma surpreendente o único momento à ser recordado por ele, junto à uma expressão considerada irreconhecível, tendo sido a última a ser vista em tal rosto tantas vezes relembrado. Ao menos em sua direção.
 "You have made my life complete...", continuou. Voltou às boas lembranças, voltou ao tempo em que sua vida era feita completa, completa por apenas um detalhe, pelo mesmo que mais tarde o faria lamentar, e implorar tantas vezes para obter mais um momento no passado, por mais curto que tal pudesse ser. Em meio à uma seleção interna de expressões, ao final da frase o que destaca-se em seu rosto é um repentino sorriso, tão discreto, tão simplório, mas que junto à ele deslizava outra lágrima sobre seu rosto, agora de expressão estranhamente feliz, estranhamente por de alguma forma ainda simbolizar a mesma dor que cada vez mais se destacava, agora independente de qual expressão pudesse estar exposta em sua face.
 "... And I love you so", terminou. Nada aconteceu. Por dentro, tudo acontecia. Era uma frase tão curta, tão simples, de palavras tão convenientes, mas que para ele, nada mais que a pura verdade de tal significado simbolizado por cada sílaba de cada palavra, poderia ser descrito. Mas não sabia o que sentir. Nunca soube até chegar a tal frase. Era dor ? Não sabia. Bastavam segundos de tal música, para que aquele vazio que prevalecia no atual de seus dias logo fosse preenchido por tantas lembranças. Mas permaneciam à ser as mesmas. Sempre, as mesmas lembranças. Talvez este fosse o problema, talvez por recordar e viver tanto do passado, o fizesse crer que não mais poderia ser feliz, pelo simples fato de que o passado é o passado, e que o que ficou para trás, pode ter desistido de alcançá-lo, estando ele exatamente onde antes esteve, ou não.
 Enfim moveu-se, ao levantar-se da cadeira, antes que pudesse mais uma vez, depois de tanto tempo, ouvir aquele tão significativo refrão. Retirou o disco do seu velho toca-discos, sentou-se mais uma vez, esvaziou a mente ao novamente fechar os olhos, e à todo tempo tentar convencer-se de que está dormindo, e o que se passa é nada mais que mais um sonho ruim, um pesadelo para ser esquecido, ao quem sabe um dia, acordar mais uma vez onde tanto deseja estar. Lá.
 Aquele refrão, este sim sabia que era dor. Tentava esquecer, mas as mesmas palavras ainda ecoavam em sua mente. Aquelas que ele há tempos não ouvira, aquelas que tanto temia, aquelas de aquele refrão.


                    " Love me tender,
                      Love me true,
                      All my dreams fulfilled.
                      For my darlin' i love you,
                      And i always will. "

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