sábado, 14 de maio de 2011

Something.

 Uma tarde fria, vazia. Já não mais pensava. Apenas observava, tantas pessoas sem destino, guiadas por seus passos gastos, desorientados, passavam desatentas por seus olhos. Ele então há horas sentado no mesmo banco, daquela mesma praça quase sempre deserta. Um, dois, no máximo três olhares lhe eram o bastante. O primeiro, rejeição. Os estranhos não entendiam-no, ao mostrar tal necessidade de encontrá-la novamente, talvez reconhecer o seu andar, desde então inesquecível, tão marcante em suas poucas lembranças que restaram, que então sobreviveram. O fracasso mais uma vez chamava o seu nome, de um lugar distante, distante daquela praça, daquele banco, daquelas pessoas, ao encontrar mais uma vez a diferença, ao perceber que as semelhanças fugiam de sua realidade, sua realidade então repleta de ilusão, de mentiras, de retratos falsos. Após então era a frieza aos seus poucos atos variados, quando levantava-se, era apenas para garantir mais uma rosa em suas mãos, mais pétalas inocentes ao chão, mais lágrimas a serem contidas, mais uma tentativa de dor a ser amenizada.
 Queria poder pedir o seu perdão. Queria ao menos avistá-la outra vez. Procurava o que esquecer, para que então não pudesse esquecê-la. Já fazia tanto tempo, mas devido aos seus métodos, nem disso conseguia lembrar-se. O que era a sua sorte naquele há tanto único momento? Perguntava-se, onde estava o seu bom Deus durante todo este tempo? Não sabia ao certo o quanto foi, mas tinha a certeza de que não havia sido pouco. Muito tempo, desde então ali, no mesmo lugar. O mesmo desejo, a mesma tristeza. Disso ele tinha certeza.
 Estava tudo tão desordenado. Mesmo ao não agir de outra maneira durante tanto tempo, ao não perceber a diferença sem perder o foco do que desde então fazia. Os segundos caminhavam devagar, os minutos corriam apressados, as poucas horas voavam, deixando os mesmos fatos para trás. Pedir perdão? Para quem? Já não sabia o que fazia lá, o que o fazia acreditar que algo poderia mudar. O mesmo desejo mandava-o ficar, esperar, por algo que então já tinha certeza que não iria um dia o alcançar. Mas então ficou, recusando-se a chorar, apagando mais lembranças, para que a mesma desde então permanecesse lá. Beijos, tampoucos existiam. Abraços, havia esforço para lembrar. Palavras, não sabia de que letras tais eram compostas. Sua voz, era apenas o esboço de uma nota mal interpretada, só podendo ser lembrada por lembrar de tal tão destacada, de uma música que nunca por ele faltaria ser recordada.
      "Something in the way she moves, Attracts me like no other lover..."

 Levantou-se. Temeu em passar à sua frente, mas continuou, após o primeiro trêmulo passo. Fechou os seus olhos, não parou. Esbarrava nas pessoas que cruzavam o seu escuro e perigoso caminho, não parou. Aquele banco então já mostrava-se distante às suas costas. Aquele banco daquela praça quase sempre deserta. Daquela que ficava em frente às pessoas nas calçadas, tão próxima aos carros que passavam continuamente.
Não parou, até que enfim tudo acabou.

sábado, 7 de maio de 2011

Moonlight.

 Os passos firmes. Os olhos fechados. Caminhava tranqüilo sobre as calçadas, ao brilho das estrelas que guiavam aos poucos que permaneciam com os olhos abertos, com um destino previsível, com a tensão sob controle. O escuro era sinônimo de incerteza, incerteza por não haver como saber por onde andar, por não existir possibilidades de seguir passos já existentes, marcados na superfície daquela tão duvidosa calçada, de caminho imprevisível e obstáculos ocultos, à quem resistira a tentação de avistar uma saída à caminho do conveniente, o mais previsível que pudesse ser, por não resistir e apenas por usar os próprios olhos.
 Aos olhos estranhos, um lunático dificilmente sóbrio à passar no caminho do perigo, que para estes, o aguardava para o quanto breve possível. Apesar dos olhos ainda mantidos fechados, o que na verdade os fazia pensar desta maneira, era ao encontrar um sorriso descontraído em seu rosto, perceber também a facilidade que encontrava ao atravessar cada centímetro, à cada passo, sem temer tropeçar em um percurso desconhecido, um percurso de perigo. Facilidade que os intrigava, que os invejava.
 Podia sentir a luz do luar em sua pele, podia enxergá-la mentalmente. Assim pensava, assim enxergava. Nenhuma tentação o assombrava, era aquele mesmo escuro, aquela mesma incerteza que o fazia sentir-se bem, que o fazia continuar à andar, sem se preocupar com os obstáculos que o aguardavam por onde pudesse somar passos, em direção do imprevisível.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Always will.


 Tocavam-se as primeiras notas. Seus olhos perdiam o foco, as mãos quase que inteiramente trêmulas. Dentre tão poucos segundos, foram tantos momentos em que se viu naquele tão confuso conflito de emoções, permanecendo externamente imóvel, sem demonstrar qualquer tipo de reação. À cada nota era um instante à ser recordado, à cada acorde era o mesmo rosto à ser idealizado.
 A mente vazia, vazia de tão cansada como nunca antes pôde estar. Lutava para permanecer imóvel, para suportar a dor que o convinha, uma dor que crescia, junto à tão grande sensação de ânsia, de expectativa, ao naquele tão doloroso momento, restarem apenas alguns segundos para que tão gloriosa e familiar voz recitasse palavras tão ingenuamente bonitas, mas de significado importante e doloroso para tal, enquanto uma harmonia tão tranqüila e quase mais bonita, tornasse a voar graciosamente em seus ouvidos, ainda causando a mesma reação, a mesma que naquele momento ocorreu, a mesma que sempre ocorre quando encontra forças para tentar mais uma vez. Tentar ouvi-la até o final, controlar uma dor indescritível. Achava que só assim poderia enfim esquecer; esquecê-la.
 Sentiu um aperto, pronunciando a primeira palavra mentalmente, enquanto o disco empoeirado permanecia a girar, junto à uma voz de tom grave e bonito, que cantava tranqüilamente, à cada palavra equivalendo uma facada em seu peito, mesmo ainda conseguindo manter a expressão sem-expressão em seu rosto, o olhar vago, o mesmo filme à ser reproduzido em sua mente.
 "Love me tender, love me sweet...", cantava a voz lentamente, retardando a velocidade da pronuncia mentalmente, agora em transe. Com cada letra, cada palavra de tal frase, flutuando em sua mente, invadindo de forma inexplicável o seu campo de visão, ainda com cada uma representando uma parcela de dor à ser somada. Mas estava disposto à ir até o fim.
 Sabia do que a próxima frase era composta, e o que ela então representava entre as outras. Ao mesmo tempo buscava uma maneira de conseguir não escutá-la, e de alguma forma ignorá-la. "...Never let me go", continuou a cantar a voz. A expressão vazia então alterou-se. Fechou os seus olhos, a mente travada na primeira palavra após inteiramente ser pronunciada. Era como se o tempo, em algum lugar de sua mente, houvesse parado, como se a frase possuísse apenas tal palavra, que quando enfim deixou seu consciente, trouxe junto para fora uma lágrima, como se viesse em forma de tal, deslizando de seu rosto, secando antes de tocar o chão. Ao final da frase, aquele adeus foi de forma surpreendente o único momento à ser recordado por ele, junto à uma expressão considerada irreconhecível, tendo sido a última a ser vista em tal rosto tantas vezes relembrado. Ao menos em sua direção.
 "You have made my life complete...", continuou. Voltou às boas lembranças, voltou ao tempo em que sua vida era feita completa, completa por apenas um detalhe, pelo mesmo que mais tarde o faria lamentar, e implorar tantas vezes para obter mais um momento no passado, por mais curto que tal pudesse ser. Em meio à uma seleção interna de expressões, ao final da frase o que destaca-se em seu rosto é um repentino sorriso, tão discreto, tão simplório, mas que junto à ele deslizava outra lágrima sobre seu rosto, agora de expressão estranhamente feliz, estranhamente por de alguma forma ainda simbolizar a mesma dor que cada vez mais se destacava, agora independente de qual expressão pudesse estar exposta em sua face.
 "... And I love you so", terminou. Nada aconteceu. Por dentro, tudo acontecia. Era uma frase tão curta, tão simples, de palavras tão convenientes, mas que para ele, nada mais que a pura verdade de tal significado simbolizado por cada sílaba de cada palavra, poderia ser descrito. Mas não sabia o que sentir. Nunca soube até chegar a tal frase. Era dor ? Não sabia. Bastavam segundos de tal música, para que aquele vazio que prevalecia no atual de seus dias logo fosse preenchido por tantas lembranças. Mas permaneciam à ser as mesmas. Sempre, as mesmas lembranças. Talvez este fosse o problema, talvez por recordar e viver tanto do passado, o fizesse crer que não mais poderia ser feliz, pelo simples fato de que o passado é o passado, e que o que ficou para trás, pode ter desistido de alcançá-lo, estando ele exatamente onde antes esteve, ou não.
 Enfim moveu-se, ao levantar-se da cadeira, antes que pudesse mais uma vez, depois de tanto tempo, ouvir aquele tão significativo refrão. Retirou o disco do seu velho toca-discos, sentou-se mais uma vez, esvaziou a mente ao novamente fechar os olhos, e à todo tempo tentar convencer-se de que está dormindo, e o que se passa é nada mais que mais um sonho ruim, um pesadelo para ser esquecido, ao quem sabe um dia, acordar mais uma vez onde tanto deseja estar. Lá.
 Aquele refrão, este sim sabia que era dor. Tentava esquecer, mas as mesmas palavras ainda ecoavam em sua mente. Aquelas que ele há tempos não ouvira, aquelas que tanto temia, aquelas de aquele refrão.


                    " Love me tender,
                      Love me true,
                      All my dreams fulfilled.
                      For my darlin' i love you,
                      And i always will. "