quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Pais e Filhos.



Em uma noite fria de outono qualquer, algo chama a atenção dos desabrigados que buscavam aconchego perambulando pelas ruas vazias de um bairro qualquer, e dos gatos que se mantinham sentados em um muro frio e rabiscado de uma das maiores residências daquele pequeno bairro. Um som semelhante ao de um objeto extremamente pesado sendo arremessado contra o chão preenche o silêncio vazio das ruas desertas, junto ao que pareciam ser ensurdecedores gritos de crianças, em um tom de pavor elevado, capaz de acordar uma vizinhança inteira. Vários vizinhos curiosos como eles só, logo saem de suas casas, deixando de lado o também aconchego de suas camas lotadas de cobertores quentes e travesseiros confortáveis, para ver o estranho e curioso incidente, também sem muito se importar com o frio daquela noite úmida e sem vida. A reação de todos foi a mesma ao descobrir o que havia acontecido...
 No dia seguinte, o que realmente chama a atenção, não são as estátuas e cofres e paredes pintadas no local, ou os boatos de que ela havia se jogado da janela do quinto andar. O que chamava atenção era uma carta que se encontrava em cima de uma escrivaninha vazia, ao lado de uma janela aberta e com rachaduras estranhas em um vidro empoeirado. Dizia a carta:

  "Aqui estou eu... lá estava ela. É difícil explicar como em poucos segundos tornou-se simplesmente impossível contar as lágrimas que agora caem do meu rosto, ou as que secaram no ar e não tocaram o chão. As palavras me faltam em um momento tão significante como este, mas talvez eu tenha motivos. Vocês, meus queridos pais, devem saber do que falo.
 Não sabem o quanto são importantes pra mim. De cada momento marcante com vocês que fiz questão de guardar junto às minhas mais preciosas lembranças, todos são de imensa importância recordar pelo menos uma vez à cada dia da minha vida.
 De um simples "quero colo" à um conveniente "posso dormir aqui com vocês?", de um exagerado "vou fugir de casa" à um inocente "tive um pesadelo". De cada momento em que me encontrei em um dramático "estou com medo" e vocês com a maior simplicidade e confiança que deveriam me passar responderam, "Pode dormir agora, é só o vento lá fora". Das vezes em que exigi uma explicação lógica ao perguntar "porque que o céu é azul" ou lhes pedindo, "explica a grande fúria do mundo" e vocês ainda sim de alguma maneira sabiam responder cada uma das minhas insanas perguntas, conseguindo fazer-me calar a boca. Já tive tamanha audácia de culpa-los por tudo, sei que é um absurdo e por isso, arrependo-me demais.
 O problema atualmente não é comigo, eu sei. Mas já faz tanto tempo que os vejo se desentenderem e isso não me deixa apenas muito chateada, mas também sem opções. Sei que é normal, que sou uma gota d'água, um grão de areia em meio a multidão que agora deve passar pelo mesmo que eu. Mas como eu disse, estou sem opções. Foi a unica maneira que encontrei para fazer vocês de uma vez por todas esquecerem os motivos fúteis que geram as tantas das suas confusões, e que não deixam apenas à mim chateada, mas as crianças que hoje merecem o que eu também tive a felicidade de ter na idade delas, os seus pequenos filhos, meus irmãos. Não deixem que passem pelo mesmo que eu.
 Espero que escutem da próxima vez, quando lhes disserem como eu sempre disse, que é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se pararmos para pensar, na verdade não há. 


Eu amo vocês. "

Um comentário:

  1. Que texto maravilhoso, Etienne.

    Realmente fez minha imaginação voar tão longe com esses pequenos detalhes, como se eu mesma estivesse na cena sentindo tudo o que você mesmo explicou. Você tem uma criatividade e tanto, espero poder ler mais e mais seus textos, pois são realmente ótimos.

    Você é um escritor e tanto, muito melhor do que alguns escritores que já li. Você vai longe com esses textos.

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